sexta-feira, 28 de junho de 2013

Melancia, Moranguinho ou Melão: qual fruta serei hoje à noite?

O carro passou ao lado da jovem estudante de Direito com o som no último volume: "PRE-PARA que agora é a hora do show das poderosas!" Estava na rua e sentiu uma súbita vontade de dançar. O som a movia e ficou surpresa ao deparar que cantou - sem querer - junto com a música.

Estaria Amanda, de vinte anos, traindo os velhos discos da mãe? Aquele do Chico, "Construção", o "Água Viva" da Gal e outro do Vinícius que me falha a memória mas ouve quase todos os dias antes de dormir.  O pai foi vocalista de uma banda cover dos Beatles e a mãe, professora. Também era escritora nas horas vagas. A filha sempre ouve dos dois que funk é o câncer da música brasileira. Menina comportada escuta funk? Na-na-ni-na-não.

Ela percebeu as mudanças quando foi com os amigos da faculdade à uma festa com tudo liberado. Sim, tudo: até funk. Amanda reclamou e pediu pra trocar as músicas mas se frustou. O volume estava cada vez mais alto e o batidão não parecia que ia acabar tão cedo.

Prestou atenção nas letras e foi obrigada a engolir por algumas horas. A banalização do sexo feminino e a exposição do corpo foi deixando-a sem jeito e com vontade de sair correndo. Era um pesadelo! Ela sempre acreditou que o funk ainda sobrevivia para atender a demanda do mercado erótico. Nunca pensou que as letras retratassem a libertação feminina. E aquele dia a quantidade de álcool não foi suficiente para que ela se rendesse ao som.

Sempre escuta de relance nas rádios, na tv, algum vídeo na internet, mas nunca havia parado para ouvir uma música inteira. De-tes-ta. Além de quebrar o conceito de mulher intelectual que tinha aos olhos da família e dos amigos.

Mas, esse dia em especial, voltando da aula de inglês, sentiu uma enorme vontade de dançar e cantar bem alto junto com a música que vinha do carro. Já tinha ouvido falar alguma coisa sobre essa nova funkeira, Anitta. E a música sem se dar conta: estava na ponta da língua. Foi um misto de prazer e agonia. Ora bolas! A estudante de Direito cantando funk?  E o pior: na rua? Não, não, bem pior: queria dançar! Que desgosto!

Viu um papel no chão, era um flyer de um baile funk no mesmo dia, à noite, na Ladeira dos Tabajaras. Viu que ninguém olhava, abaixou, pegou e escondeu na bolsa. Ao chegar em casa pesquisou no youtube por um dos Mc's que a chamou atenção no papel e decidiu: "Hoje eu vou pro baile, de sainha.  Agora eu tô solteira e ninguém vai me segurar."

Ainda não conseguia dar explicação pra tudo aquilo, mas não sabia também se era necessário explicar-se. A menina que sempre ouviu o que era lhe dado à força sem abertura para novos estilos, queria buscar mais. Por anos pensou que não gostava do estilo musical e quando decidiu ouvir sem interferência de terceiros, ainda sentia um sentimento de culpa. Culpa de que? Confessar o que? Era preciso acabar com esse preconceito de séculos.

Hoje ela estava decidida. Nada a impedia de ouvir Clube da Esquina no intervalo da faculdade de segunda à sexta mas no sábado colocar aquele vestido que vestia super bem, e rebolar. Dançar como se libertasse esse padrão de : "filha-perfeita-inteligente-e-batalhadora." Se soltar desse perfil ditado pela sociedade, nem que fosse por algumas horas.

Amanhã ela ouvia o Milton e Lô Borges, mas hoje, ahhh! Ela quer escutar só o Mc Koringa. E deixa ela.! Afinal, é possível mexer o popozão e a cabeça também.

Então, solta o som, DJ!

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