quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O que acontece quando a Comunicação desfaz a amizade com o Social

- Mãe, eu vou fazer Comunicação Social.
- Que isso?
- Ahhhh, mãe. Vou estudar Jornalismo.

Eu mesma, há 5 anos, não sabia explicar o que era Comunicação Social. Ao entrar na faculdade, me falaram que é “a ciência que estuda as formas de linguagens, como os indivíduos se comunicam e outros mimimis.”

Na verdade, na época eu não estava nem aí para esses termos. Eu queria era mudar o mundo. E acreditava na doce-inocência-de-primeiro-período e que essa era a minha missão com o Jornalismo.

Semestres se passaram e hoje, há menos de cinco meses para a formatura, o termo “Comunicação”, não me causa dúvidas. A Dona Cida pode vir perguntar que eu sei a resposta na ponta da língua. O que gera um ponto de interrogação pra mim é o termo “Social.”

Não que eu não saiba o significado, mas o que me intriga é o porquê d’ele estar inserido no nome do curso, já que se faz tão ausente, principalmente, em tempos de intolerância em que a regra é: “comece com sangue.”

A Comunicação segue sozinha sem o apelo Social, e o resultado é mais ou menos este:

1. Mídia Elitista
Cena 1: O filho burguês, que tinha mais de 240 pontos na CNH e dirigia bêbado, se arranhou mas passa bem.
Cena 2: José Ferreira da Silva de 44 anos. José trabalhava como operário na obra da linha 4 do
Metrô e foi atropelado no momento em que voltada do trabalho. "Morreu na contramão atrapalhando o tráfego...”


2.   A mídia que claro, ÓBVIO, tenta manter a reputação de seus clientes:
“Podemos tirar se achar melhor”


3.  A mídia que não descobriu se vai ganhar o público na transfobia ou no sensacionalismo:
A matéria ainda mostra uma foto da trans Verônica Bolina seminua e com o rosto desfigurado L


4.   A Publicidade e Propaganda que vende machismo ao invés de produtos:


Selecionei apenas esses 4 exemplos para demonstrar a quantas anda a Comunicação de cara virada para o Social. Mas, o combo ainda traz muita parcialidade, racismo, homofobia, manipulação e tudo que atender aos interesses dos “Senhores de Engenho”.

Há cinco anos eu não sabia exatamente qual era a função do meu curso. Hoje, ciente da responsabilidade dele no mundo, vejo o mercado tentando me empurrar para uma maré que me faz escolher entre dois pesos: qualidade de vida x qualidade de consciência.

Posso explicar: o primeiro me traz conforto, uma carreira estável e viagens maravilhosas nas férias. Ao mesmo tempo, uma vida mesquinha, voltada para o fortalecimento do ego, onde o ideal é que eu seja rasa em assuntos complexos e que derrame muito sangue no jornal de meio dia.  

Já o segundo, não me trará visibilidade e terei de fazer freelas para pagar as despesas do mês. Porém, posso exercer o meu jornalismo ainda com a inocência do primeiro período de tentar mudar o mundo, ou pelo menos, mostrar novas concepções de como agir diferente há uma meia dúzia de pessoas, sem precisar deturpar a manchete e ferir com ferro quem já sangra todos os dias devido a um sistema tão covarde quanto a minha primeira opção. Logo, terei 8 horas de sono ininterruptas e acordarei linda para trabalhar no outro dia.

ALÔ Faculdades de Comunicação Social, estudantes e simpatizantes: dá para fazer propaganda criativa sem oprimir quem já sofre agressão diariamente. Dá para noticiar o acidente que causou a morte de um homem, sem fazer do culpado a vítima. Dá para dar voz àqueles que são silenciados, que são meras sombras anônimas nesse sistema capitalista-opressor, onde quem tem vez é o homem-branco-classe média-heterossexual que faz discurso sobre meritocracia.

Pra quem ainda tem dúvida: Social - 1. Concernente a uma comunidade, a uma sociedade humana, ao relacionamento entre indivíduos etc.

Sejamos mais empáticos, sociáveis e humanos, amigos do curso de Humanas.



“A revista moralista
Traz uma lista dos pecados da vedete
E tem jornal popular que
Nunca se espreme
Porque pode derramar.
É um banco de sangue encadernado
Já vem pronto e tabelado,
É somente folhear e usar,
É somente folhear e usar.”
Parque Industrial – Tom Zé





quarta-feira, 22 de julho de 2015

É de esquerda, barbudo e gente boa: mas NÃO é para casar


Quando eu me assumi feminista, mesmo sem entender direito o que isso significava, passei por uma série de situações constrangedoras. Muitos (muitos!) homens me agrediram verbalmente, tentaram deslegitimar a minha luta e vomitaram vários estereótipos que se têm a respeito das ativistas. Na época, eu não sabia lidar com isso, mas segui firme no que eu acreditava.

Com o passar do tempo, percebi que a maioria desses homens começou a conversar comigo sobre o feminismo, postavam em suas redes sociais e esperavam que eu desse um troféu de homemsalvadordapátriaedalutasdasminorias. O que graças à deusa, nunca ocorreu.

E eu vou explicar o motivo: eu não sei o que me deixa mais irritada: o machistinha que não reconhece as baboseiras que faz, ou o famoso “esquerdo-macho” aquele cara que diz ser a favor da igualdade de gêneros, mas acredita que o feminismo propaga mais ódio, logo, o ideal seria lutar pelo “humanismo”. No fim das contas eles são a mesma coisa: querem manter o protagonismo, silenciar e oprimir.

A questão é que o cara machista é fácil de identificar. O esquerdo-macho não.

Ele é o cara de esquerda envolvido nas questões sociais, lê Nietzsche, prefere um boteco copo sujo à uma balada, ouve Coltrane e ainda é barbudo: o homem que eu pediria em casamento. Se não fosse, é claro, mais um babaca que não reconhece os privilégios que o patriarcado lhe concedeu.


Esse cara é aquele que se diz apoiador das causas das mulheres (alguns até ousam se intitular como feministas), mas acha que somos radicais em muitos pontos e querem nos ensinar a reivindicar direitos. Aliás, as pautas que você não critica são aquelas sobre liberdade sexual, não é? Porque aí te beneficia.

Somos radicais, sabe por que, homem gracinha? Queremos atingir um patamar em que você está desde os primórdios. Engraçado, nunca te vi falando que os sindicalistas são radicais ou que os funcionários devem ser mais dóceis com o patrão.

Esses homenzinhos hétero, na maioria das vezes brancos, da paz, energia legalize, focados no seu umbiguinho gente boa, são tão babaquinhas que vêm nos chamar no bate papo pra falar do "ódio" praticado pelas minorias que tomam "tudo" como preconceito e respondem de maneira raivosa antes de qualquer coisa.

Quando argumentamos que essa raiva é uma resposta e fruto de um histórico de discriminação e que ainda que não ideal, é necessário, o homenzinhogenteboaenergiagracinhadobem resolve encerrar a discussão porque ele (como pode?) não ganhou nossa aprovação e não conseguiu colecionar estrelinha em seu diário de boas ações que confirmam que ele é um cara legal.

Nós lutamos por igualdade, pelo empoderamento e para termos mais espaços que discutam nossas pautas. E antes que você fale que é exagero, que nós, feministas de esquerda, queremos falar apenas sobre mulheres, vai um aviso: meu feminismo é interseccional. A luta contra a desigualdade social, o combate a pobreza, ao racismo e toda forma de preconceito também são discutidas.

Esse texto é pra você, floquinho de neve sofrido, que paga de feminista na internet, mas compartilha o vídeo da novinha pelada no whatsapp.

Beijos de luz <3

segunda-feira, 2 de março de 2015

Tá liberado: ter pochete - Pelo direito de não ter barriga sarada

- Me fale a verdade: você está comendo muita massa ou bebendo muita cerveja?

Essa foi a pergunta da minha mãe ao me ver após algumas semanas, se referindo à minha barriga. Sorridente, respondi: - As duas coisas, Dona Cida!

Na hora eu achei graça, mas, depois parei para pensar em como essa pergunta seria problemática pra mim há um tempo atrás. Eu sempre fui neurótica por causa do meu corpo, no fundamental era a “tábua”, “cabo de vassoura”, etc.

O bicho pegou pro meu lado na adolescência: enquanto as meninas se desenvolviam e passavam por aquela fase de exibir seios, coxas e bunda (o que é normal), eu não ousava usar shorts, nem na escola e nem fora dela.

Enfim, pela primeira vez, eu chego aos sonhados 50kg. Sem grilos, sem muito esforços.  Mas, melhor que isso: olho no espelho, e, pela primeira vez, gosto do que vejo. Eu não estou cega ao ponto de negar as minhas imperfeições: minha barriga está positivíssima, bem longe de entrar na onda de “barriga negativa”. Mas quer saber? Foda-se.


Durante toda a minha infância e adolescência (principalmente na adolescência) eu me deixei levar pela ditadura da beleza: A TV mostrava que as meninas que se davam bem e eram desejadas eram branquinhas, cabelo liso e comprido, seios fartos e coxas e bunda enormes. E claro, as revistas davam 10 dicas para se tornar assim. E por aí vai...

Tentei frequentar a academia, porém, como eu detesto aquele ambiente, não durou muito tempo. Comia de tudo, e: nada. O que eu não conseguia entender era que eu não estava magra. Eu sou magra. 

Eu me arrependo de não ter comprado os shorts que eu gostava, de não usar as saias que eu achava bonitas, pelo simples fato de pensar que “pagaria mico” e “não me encaixava no padrão”.  Infelizmente, naquela época ninguém veio me falar que eu não devia acreditar na mídia, e que os padrões de beleza exigidos por ela, eram praticamente inatingíveis, e que exigir isso de uma adolescente chega a ser covardia.

Graças à Deusa, eu conheci o feminismo e ele me libertou de todos esses estereótipos. É desumano ditar desde cedo para uma menina o que ela deve fazer para ser aceita na sociedade e ser considerada bonita, quando na verdade, todos nós sabemos que não existe regra para a beleza.

Existe beleza no magro e no gordo, no negro, amarelo e branco, nos olhos puxados e arregalados. No cabelo crespo e amarelo, no liso e ruivo, no curto e preto. Existe beleza na diversidade. Mais que isso: existe beleza no que ela pode oferecer. Até porque, a beleza física se torna irrelevante depois de quinze minutos. É preciso ter algo além, a beleza por si só não sustenta nenhum tipo de relação. Como Antonie de Sanit-Exupéry bem escreveu em O Pequeno Príncipe: “O essencial é invisível aos olhos”.

E, é isso que me faz olhar hoje no espelho e gostar do que está sendo refletido. Eu sei que sou muito mais que esses 1,55m de altura. Eu sei que eu peso muito mais no mundo do que esses míseros 50kg. E, sei que o tamanho dessa barriga que incomoda a minha mãe, minhas tias e algumas colegas, não é nada perto do tamanho do incômodo que eu provoco quando dissemino o feminismo.

Moçxs, desconstruímo-nos desses rótulos. Se sentir inadequadx porque falam que você não está ~nos padrões~, só te faz gastar grana e contribuir com o lucro das empresas que vendem produtos para a pseudo-felicidade. Somos lindxs, cada uma do seu jeito (e variadas formas).